http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/02/perfil-falso-na-wikipedia-e-citado-em-decisao-judicial-e-trabalho-academico.html
Perfil falso na Wikipédia é citado em decisão judicial e trabalho acadêmico
Carlos Bandeirense é citado como jurista e amigo de Chico Buarque.
Criado para pregar peça em estagiário, perfil de jurista se espalhou.
Jurista, professor de Direito, amigo de Chico Buarque e inspirador do famoso "Samba de Orly", Carlos Bandeirense Mirandópolis é citado em trabalho acadêmico, documentário e até decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
O problema é que ele não existe. “Nasceu” no Wikipédia em 2010 quando dois advogados de São Paulo decidiram criar um perfil falso para pregar uma peça em um estagiário.
Desde então, o conteúdo do perfil bem elaborado, que traz fotos e detalhes biográficos, se espalhou pela internet, e o personagem passou a ser mencionado como se, de fato, existisse.
Desde então, o conteúdo do perfil bem elaborado, que traz fotos e detalhes biográficos, se espalhou pela internet, e o personagem passou a ser mencionado como se, de fato, existisse.
No Wikipédia, Carlos Bandeirense Mirandópolis é apresentado como catedrático da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Foi perseguido durante a ditadura militar (1964-1985) e se exilou em Paris.
saiba mais
Segundo a enciclopédia virtual, na Europa, o jurista fictício conheceu Chico Buarque de Hollanda e inspirou o compositor na música "Samba de Orly", uma parceria entre o próprio Chico, Toquinho e Vinícius de Moraes.
“Segundo ele [Chico Buarque], a composição de Mirandópolis era muito mais bela, porém este nunca permitiu que fosse gravada, pois não queria perpetuar na partitura a tristeza do exílio!", diz o texto, com toque de poético.
Mas, procurada pelo G1, a assessoria de Chico Buarque disse que o compositor não conhece o jurista. A PUC-SP informou que nunca teve em seus quadros um professor com o nome de Carlos Bandeirense Mirandópolis.
O texto do Wikipédia não para por aí. Também diz que o jurista fictício retornou ao Brasil na década de 1980 e atuou ativamente no comício das Diretas Já.
Mas, procurada pelo G1, a assessoria de Chico Buarque disse que o compositor não conhece o jurista. A PUC-SP informou que nunca teve em seus quadros um professor com o nome de Carlos Bandeirense Mirandópolis.
O texto do Wikipédia não para por aí. Também diz que o jurista fictício retornou ao Brasil na década de 1980 e atuou ativamente no comício das Diretas Já.
Essa participação que nunca existiu é citada em uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 10 de novembro de 2014.
Mirandópolis é mencionado pela relatora de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) quepedia a derrubada da lei estadual que proibiu o uso de máscaras em manifestações.
Mirandópolis é mencionado pela relatora de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) quepedia a derrubada da lei estadual que proibiu o uso de máscaras em manifestações.
A lei foi aprovada após a onda de protestos de rua em 2013 e determinou que as máscaras poderão ser usadas em eventos culturais, mas, se uma pessoa for presa com o rosto coberto em uma manifestação de rua, deverá ser encaminhada a uma delegacia.
A desembargadora Nilza Bittar negou o pedido para declarar a lei inconstitucional e destacou, no voto, que Carlos Bandeirense Mirandópolis não usou máscara quando participou do comício das Diretas Já, assim como personalidades como Ulysses Guimarães, Luiz Inácio Lula da Silva eFernando Henrique Cardoso. A menção ao jurista fictício não invalida a decisão judicial.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro disse que a menção feita pela desembargadora a Carlos Bandeirense Mirandópolis teve como fontes a página do núcleo de memória da PUC do Rio de Janeiro e o filme "Diretas Já".
O Tribunal afirmou ainda que a menção teve caráter meramente ilustrativo, não exercendo qualquer influência ou contribuição jurídica para o embasamento da decisão.
Citação acadêmica
Carlos Bandeirense Mirandópolis também aparece em um trabalho acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Sulsobre produções artísticas censuradas na ditadura militar. A estudante do curso de arquivologia menciona que Chico Buarque se tornou amigo de Mirandópolis, em viagem à França. O jurista também é citado em um documentário sobre as Diretas Já e em diversos outros sites sobre a ditadura militar e a redemocratização.
A invenção
O G1 localizou os “criadores” de Carlos Bandeirense Mirandópolis, os advogados Victor Nóbrega Luccas e Daniel Tavela. Eles contaram que perceberam uma “dinâmica” entre os estagiários de usar informações da internet para fazer as pesquisas jurídicas.
Carlos Bandeirense Mirandópolis também aparece em um trabalho acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Sulsobre produções artísticas censuradas na ditadura militar. A estudante do curso de arquivologia menciona que Chico Buarque se tornou amigo de Mirandópolis, em viagem à França. O jurista também é citado em um documentário sobre as Diretas Já e em diversos outros sites sobre a ditadura militar e a redemocratização.
A invenção
O G1 localizou os “criadores” de Carlos Bandeirense Mirandópolis, os advogados Victor Nóbrega Luccas e Daniel Tavela. Eles contaram que perceberam uma “dinâmica” entre os estagiários de usar informações da internet para fazer as pesquisas jurídicas.
Decidiram, então, pregar uma peça e mandaram que um dos jovens fizesse uma pesquisa sobre a teoria da Oferta Pública de Associação, que não existe.
Para dar veracidade à história, criaram o perfil de Mirandópolis, que seria o autor da tese. “A ideia veio de uma experiência com um estagiário que eu e o Victor tivemos e a gente tinha identificado nele uma dificuldade em fazer pesquisa. Particularmente, por ele acreditar em tudo que aparecia na internet. Aí a gente resolveu criar esse personagem e fazer essa experiência didática com ele”, disse Daniel Tavela.
O que os advogados não esperavam era que o estagiário não seria o único a “cair" na brincadeira.
Para dar veracidade à história, criaram o perfil de Mirandópolis, que seria o autor da tese. “A ideia veio de uma experiência com um estagiário que eu e o Victor tivemos e a gente tinha identificado nele uma dificuldade em fazer pesquisa. Particularmente, por ele acreditar em tudo que aparecia na internet. Aí a gente resolveu criar esse personagem e fazer essa experiência didática com ele”, disse Daniel Tavela.
O que os advogados não esperavam era que o estagiário não seria o único a “cair" na brincadeira.
Victor Nóbrega diz que viu com “surpresa” a citação a Carlos Bandeirense Mirandópolis em uma decisão judicial.
“A coisa tomou uma proporção que a gente nunca imaginava. Eu esperava aparecer em alguns blogs, mas não em uma fonte mais séria. Eu gargalhei. Mas, se é engraçado por um lado, é triste por outro, porque as pessoas não estão usando a internet corretamente”, afirmou o advogado.
Segundo os advogados, a foto que ilustrava a página, e que seria uma imagem do suposto jurista (veja abaixo), foi adicionada depois da criação do perfil de Mirandópolis, por uma outra pessoa.
A produção da GloboNews fez uma pesquisa para saber quem realmente é a pessoa na foto e descobriu que se trata do prefeito de Viena, na Áustria, Michael Häupl.
Especialistas
O G1 também ouviu especialistas sobre o uso de informações da internet. O professor Gilberto Lacerda Santos, da Universidade de Brasília (UnB), diz que o episódio mostra que a sociedade ainda não aprendeu a usar as informações disponíveis na rede.
“Nós estamos ainda tateando essas possibilidades novas e esses problemas, essas situações problemáticas que aparecem aqui e ali só revelam a fragilidade da nossa educação básica. Competiria às pessoas, a nós cidadãos dessa sociedade tecnológica, desenvolver mecanismos, estratégias, habilidades pra que saibamos separar o joio do trigo”, afirmou.
O professor Ronaldo Lemos, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, diz que a internet é um instrumento importante de pesquisa e comunicação. Mas ressalta que é preciso “desconfiar sempre” e checar as informações.
“A rede é assim, ela vai continuar assim e não há muito o que a gente possa fazer para mudar isso. O que a gente tem que mudar é a gente poder checar a origem dos fatos, checar a origem das informações. E não ter aquilo que está na rede, só pelo fato de estar postado na internet, como verdadeiro”, afirmou.
“A gente tem que fazer algumas perguntas: quem escreveu essa informação? Quem confirma essa informação? Ela está presente em outras fontes também? É algo que é reconhecido por exemplo, por instituições cientificas? É fundamental que essa educação para a mídia esteja presente na cabeça das pessoas”, disse.